Um modelo serve para todos: uma família para todas as crianças, independentemente da situação?

porFICE Brasil

Um modelo serve para todos: uma família para todas as crianças, independentemente da situação?

 Editorial. Monthly review – ISS[1]

Published by the International Reference Center for the rights of children deprived of their family. Nº. 223 JULY 2018[2]

O preâmbulo do Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança- UNCRC reconhece que “a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer em um ambiente familiar, em uma atmosfera de felicidade, amor e compreensão”. Isso não cria um forte incentivo para se advogar por uma família para todas as crianças, em todas as circunstâncias?

Defender os direitos das crianças implica garantir uma abordagem individualizada e uma avaliação de suas necessidades, que tenhamconformidade com as premissastambém contidas nesta Convenção sobre “o melhor interesse da criança”. Existe uma exceção a essa abordagem quando se trata decuidado alternativo e adoção? Devemos ir tão longe como imporsoluções baseadas na família para todas as crianças privadas de suas famílias?

As tensões de tal tomada de decisão – muitas vezesbem-intencionada-, mostram que estas decisões, sem dúvida, envolvem riscos.

Uma família para todas as crianças e adolescentes que precisam de cuidados alternativos, independentemente da situação?

As Diretrizes da ONU para Cuidados Alternativos de Crianças notam claramentea necessidade de cuidados de base familiar para crianças menores de três anos econdenam o encaminhamento de crianças aos serviços de acolhimentoinstitucionalem larga escala, considerando os riscos que são agorabem conhecidos e evidenciados. Devido aisto, há um encorajadormovimento contra o voluntarismo na colocação em instituições que atendem crianças [e uma supervalorização da família como lugar de cuidado].

Cabe indagar, portanto, se as Diretrizes da ONU deveriam ter ido mais longe.Talvez fosse bom no momento, discutir se as necessidades de todas as crianças podem sersatisfeitas em uma família, mesmo considerando que a pesquisamostra de forma esmagadora os efeitos nocivos dos cuidados em instituições. Será que todos os casos se encaixam melhor na colocaçãonuma família? Como podemos atender a criança ou adolescente que não deseja viver em uma famíliaou que vive em situação de rua ou ainda um adolescente que procuraum arranjo de vida independente? Uma configuração baseada na família será a mais apropriada para uma criança que saiu de seu paísnão acompanhada e que tem viajado em busca de outras oportunidades, como é o caso dos imigrantes?

Certamente, nesses casos, vemos que as Diretrizes da ONU ainda não alcançam oferecer uma respostasob medida para cuidar destas colocações, garantindo que atendam às necessidades identificadas. Indiscutivelmente, uma abordagem de direitosé fundamental para garantirque tais crianças e adolescentes tenham acesso a uma ampla gama de serviços (inclusive a acolhimento digno), que atendam às suas necessidades. Vários Estados da União Europeia buscam implantar uma alternativa inovadora de centralização das informações para que possam compartilhar a responsabilidade pelas crianças. (Em 2015, mais de 10.000 crianças e adolescentes desacompanhados desapareceram na Europa, e milhares mais continuam desaparecendo desde então).

Observa-se ainda que poucas famílias terão a capacidade de cuidar de crianças com deficiências -particularmente com deficiências graves – a menos que tenham bons recursos. Assim, o desenvolvimento de ferramentas, taiscomo aquelas apresentadas pela Family Care for Children with Disabilities: Practical Guidance for Frontline Workers in Low- andMiddle-Income Countries[3], visa oferecer recursos para ampliar a capacidade dos profissionais e das famílias. Parece claro que o uso de casas com pequenos grupos em determinadas circunstâncias pode ser considerado benéfico, desde que totalmente apoiado pelo Estado. De fato, para atender às graves necessidades médicas e psicossociais das criançaspode ser necessária a junção de recursos escassos em um ambiente sob medida, como esse tipo de residência.

É certo que deve ser encontrado o equilíbrio combatendo-se a má qualidade dos serviços de acolhimento que, sob o disfarcede lares para pequenos grupos, não têm profissionais preparados para atender individualmente as crianças, como parte da estratégia de desinstitucionalização. Esta falha pode ser sanada por meio de processos de capacitação, como aqueles desenvolvidos recentemente pela USAID no Practical Guidance for Frontline Workers acima citado.

Um dos desafios na Europa é a falta de acordo internacionalna definição do que se considera como um grupo pequeno em um serviço de acolhimento. De fato, existenecessidade clara de esclarecimento sobre o papel das comunidadesalternativas, como as casas para pequenos grupos de crianças com deficiências.

[…]

Uma família para todos em adoção internacional, independentemente da situação?

A questão de uma família para todos está muitas vezes ligada à adoção internacional. Aqui, o princípio desubsidiariedade exige que os esforços para a colocação na família de origem tenham sido empreendidos e que as opções de adoção em famílias nacionais tenham sido buscadas. O debate, então, volta-se para o seguinte dilema: a solução disponível em grande escala para as crianças com sua colocação em serviços de acolhimento (como ocorre em alguns países), ou a oportunidade de viver com uma família em outropaís. É útil promover a colocação em uma família a todo custo?

Claro que qualquer colocação em adoção terá que ocorrer em um ambiente com um sistema confiável de preparação, avaliação e apoio a potenciais famílias e crianças e assegurar a supervisão dosserviços de acolhimento familiar envolvidos. Facilitar essa abordagem é um fator-chave na prevenção de riscos e problemas que podem ocorrer nas adoções.

Além disso, vale perguntar se uma abordagem individualizada leva em consideração as visões da criança? De fato, hácasos em que a adoção não é imposta à criança, como num caso em que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos afirmou que as duas garotas adotadas não haviam dado seu consentimento para a adoção e a adoção foi revogada. Só o tempo dirá se tal decisãoresultou na institucionalização dessas meninas, embora, pelo menos por enquanto, seus desejos tenham sido ouvidos.

Além disso, numa onda de maior atenção aos movimentos migratórios, em particular em situações de emergência e decontrole rigoroso das fronteiras nos países de destino, seria o recurso à adoção uma forma legítima de asseguraro melhor interesse de uma criança desacompanhada e ou separada de sua família? A este respeito, vale lembrar quea adoção internacional não é recomendada em situações de crise, inclusive em relação a crianças refugiadas.

Qual seria a abordagem de garantia de respeito em todas as situações?

No meio de debates sobre uma família para todas as crianças, a ISS prefere mover o discurso para a importância de promover uma abordagem individualizada em consonância com as normas internacionais: uma avaliaçãolevando em conta as necessidades específicas da criança e sua voz. Isso implica assegurar que haja uma amplitudede opções para que se possa responder às várias demandas das crianças. Indiscutivelmente, esta é a única abordagem que pode verdadeiramenteatender os melhores interesses de cada criança.

Equipe da ISS / IRC, julho de 2018

Tradução e adaptação de Isa Guará

FICE-BRASIL

[1] “O ISS é uma federação internacional de ONGs e parceiros interconectados que trabalha no sentido de restabelecer os elos de uma família separada por fronteiras. A rede da ISS se esforça para encontrar soluções que melhorem a proteção das crianças em situações vulneráveis. Nossas principais prioridades são proteger o melhor interesse da criança acima de todas as outras considerações e fornecer aconselhamento socio-legal e apoio psicológico.”

[2]Texto original

[3]Disponível em: Family Care for Children with Disabilities: Practical Guidance for Frontline Workers in Low- and Middle-Income Countries

[4](Ver Jeannin, C. (Ed.) (2018). Towards a greater capacity: Learning from intercountry adoption breakdowns. Geneva, Switzerland: ISS

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