Apoio de parentes é o mais indicado para o enfrentamento da ‘crise do sistema de acolhimento’, segundo estudos na Inglaterra

porFICE Brasil

Apoio de parentes é o mais indicado para o enfrentamento da ‘crise do sistema de acolhimento’, segundo estudos na Inglaterra

Neil Puffett

Publicado na revista eletrônica Children&Young People Now em 13 de junho de 2018. Londres.

Tradução e adaptação: Isa Guará

 

Uma importante pesquisa de revisão na Inglaterra[1] concluiu que crianças que sofrem abuso ou negligência devem ser colocadas com sua família mais ampla, a fim de reduzir o número de menores que entram no sistema de acolhimento.[2]

O Care Crisis Review destacou que esta é uma “importante alternativa ainda inexplorada” de cuidado no âmbito familiar do parentesco. O artigo, lançado na edição de novembro de 2017, indicou que os profissionais precisam colaborar mais com as famílias de crianças vulneráveis ​​e trabalhar com elas em direção a um plano que lhes permita ficar com seus parentes – um arranjo conhecido como “cuidado de parentesco”.[3]

O número de crianças em serviços de acolhimento familiar ou institucional aumentou drasticamente nos últimos anos, pressionando os departamentos de serviços de acolhimento para crianças dos municípios e o sistema de justiça.

Estatísticas publicadas no ano passado mostram que o número de crianças atendidas está subindo no ritmo mais acelerado em cinco anos, com 72.670 crianças atendidas nos 12 meses até o final de março de 2017, em comparação com 70.440 no ano anterior e 69.480 em 2015.

A revisão, conduzida por uma coalizão de diretores de serviços para crianças, acadêmicos, instituições sociais e especialistas jurídicos, foi lançada após comentários do juiz de primeira instância da família Sir James Munby que advertiu que a menos que o número crescente de pedidos de acolhimento fosse contido, o sistema público nesta área entraria em “crise”.

A revisão faz um total de 20 recomendações para mudança, mas destaca a importância específica do recurso à colocação na família e na comunidade ampliada, afirmando que este é recurso ainda inexplorado e muito significativo, uma vez que existem algumas crianças dentro e no limite dos cuidados[4], que seriam beneficiadas com ele.

“Maior foco em explorar e apoiar esta alternativa de cuidado em família poderia seguramente evitar que mais crianças que precisam de proteção especial, tratamento ou acolhimento, tenham como único destino os serviços de acolhimento fora da família de origem”, afirma a revisão.

O artigo identificou diferenças locais significativas na proporção de crianças no sistema de cuidados em relação àquelas que são criadas em famílias e com amigos. A grande maioria das crianças que estão sendo criadas por parentes não está no sistema de assistência social e, além disso, essas crianças são frequentemente ignoradas nas políticas e práticas locais e nacionais.

A revisão também verificou que 40% das crianças que moram com parentes viveram com cuidadores não familiares antes de morar com um cuidador familiar e que “um trabalho anterior ou mais extenso para identificar e apoiar potenciais cuidadores familiares dentro da família pode ter contribuído para reduzir a necessidade de algumas crianças serem colocadas em outro lugar”.

No geral, constatou-se que os profissionais estão “frustrados em trabalhar em um setor que está sobrecarregado e oprimido” e no qual, com muita frequência, as crianças e as famílias não recebem a ajuda direta de que precisam, pelo menos não o suficiente para evitar que as dificuldades aumentem.

O relatório disse que havia um “sentimento palpável de desconforto” sobre como a falta de recursos, a pobreza e a privação estão dificultando o trabalho das famílias e do sistema.

Enquanto isso, os sujeitos da pesquisa expressaram um forte sentimento de preocupação de que uma “cultura de culpa, vergonha e medo tenha permeado o sistema, afetando aqueles que trabalham nele, assim como as crianças e famílias que dependem dele”.  Uma das hipóteses levantadas foi a de que isso levou a um ambiente cada vez mais desconfiado e avesso ao risco, o que “leva as pessoas a buscar refúgio em respostas formais e processuais”.

Apesar das preocupações, a revisão constatou que a estrutura legislativa do bem-estar da criança é “basicamente sólido” e há algumas autoridades locais que estão contrariando a tendência nacional. Uma avaliação do sistema de acolhimento institucional mostra que ele funciona bem, às vezes, com crianças e famílias descrevendo profissionais individuais que transformaram suas vidas e profissionais descrevendo inovações, abordagens e ainda, a contribuição de líderes que lhes permitem praticar a educação e o cuidado de maneira respeitosa, humana e gratificante.

O ponto central de concordância que surgiu na pesquisa se deu no debate sobre o caminho a seguir, com um consenso de que a construção de relacionamentos, tanto com as famílias quanto entre os profissionais, está no centro das boas práticas.

Nigel Richardson, ex-diretor de serviços infantis em Leeds, que presidiu a revisão, disse:

“Lidar com a crise é complexo – inevitavelmente, porque as crianças e as famílias vivem vidas cada vez mais complexas. Mas para fazer a diferença não se pode apenas promover reestruturações constantes, ou colocar os serviços em constante mudança – a base fundamental da nossa abordagem de bem-estar infantil já é encorajadoramente firme.

O caminho a seguir tem que ser trabalhar com a complexidade para oferecer esperança. Oferecer uma abordagem inclusiva para a tomada de decisões familiares para que as famílias sejam ajudadas a entender melhor as preocupações sobre o bem-estar de uma criança e então, ajudar a coordenar e propor uma resposta segura. Essas preocupações precisam se inserir na própria rede familiar extensa, que inclui família e amigos.

Trata-se de afastar-se de uma dependência excessiva da linguagem de avaliação e intervenção e aproximar-se mais da compreensão e da ajuda. Trata-se de ser menos adversário, menos avesso ao risco, menos duro e muito mais colaborativo e gentil.”

 

[1]Os participantes da revisão foram financiados pela Nuffield Foundation e facilitados pelo Family Rights Group. Foram incluídas a Associação do Governo Local, Ofsted, Cafcass, a Associação de Diretores de Serviços de Acolhimento para Crianças, as organizações do terceiro setor, as alianças, os membros do judiciário, os advogados, os profissionais da assistência social, praticantes, jovens e famílias.

[2]As solicitações de atendimento na Inglaterra e no País de Gales atingiram níveis recordes em 2017. Esse é um fator que contribui para o aumento do número de crianças atendidas no sistema de acolhimento da assistência social, agora no nível mais alto desde 1985.

[3] No Brasil está em curso a regulamentação federal do Programa Guarda Subsidiada que visa a colocação de crianças e adolescentes aos cuidados da família mais ampla, com apoio financeiro. Alguns municípios já regulamentaram este cuidado alternativo e o estão adotando.

[4]Tratam-se de crianças, adolescentes e famílias atendidas na proteção básica e nos serviços de média complexidade, como é o caso da organização do SUAS no Brasil.

Sobre o Autor

FICE Brasil administrator

Deixe uma resposta